quinta-feira, 8 de março de 2018

O PODER DO FALO


Tudo gira em torno do falo. A simbologia por trás dessa afirmação é forte e ultrapassa séculos. Seja por poder, coragem, ou até mesmo vergonha, o falo nunca deixou de ocupar o lugar mais alto do pódio.
De acordo com a mitologia, havia uma mulher deslumbrante, que, embora despertasse o desejo dos homens e a inveja das mulheres na Grécia, não podia relacionar-se com ninguém por ser sacerdotisa de Atena. Entrementes, Poseidon, enlouquecido de desejo, a violentou dentro do templo. Acusada de transgressora e profana, foi amaldiçoada, tornando-se um monstro com a cabeça cheia de serpentes. Essa mulher era Medusa, e a mudança em sua aparência, apenas o início do seu castigo. Depois, seu olhar começou a petrificar as pessoas e sua cabeça oferecida como troféu para o guerreiro que a trouxesse.
A Grécia da mitologia é a mesma na qual a mulher não podia participar dos debates públicos e políticos na Idade Antiga. Era-lhe permitido ir a festas religiosas e assistir a peças teatrais, porém os pupilos dos donos do falo eram mais interessantes para o prazer. A mulher, até então, nem era considerada povo. Assim como Medusa, a mulher, ao longo do tempo, vem passando de vítima a culpada pela própria violência que sofreu.
Em meados do século XVIII, quando do nascimento dos Direitos Humanos, a mulher nem mesmo era considerada humana. Pode parecer chocante tal frase, entretanto, explico: após as Declarações dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789) e da Independência dos Estados Unidos (1776), a França do final do século XVIII usufruiu de ganhos concernentes à igualdade de direitos, respectivamente, os protestantes, judeus, negros livres. Em seguida, emancipou os escravos, e, apesar de ser a primeira nação que possuía escravos a fazê-lo, sequer mencionou os direitos das mulheres, quiçá discutiu-los. Elas só foram ganhar direito ao voto, por exemplo, no século XIX.
Discorrer sobre o poder do falo não é papo de feminista apenas. Freud, em seus estudos de psicanálise, concluiu que as mulheres se caracterizavam pela ausência do falo e deste, sentiam inveja. Por seu turno, os homens se caracterizavam pelo temor à castração e complexo de Édipo. Para ele, o pênis era o grande responsável pela formação de caráter das pessoas, todas elas.
Há uma luz no fim do túnel. A filosofia de Sócrates, bem como a de filósofos indianos, apontam para o autoconhecimento enquanto autocontrole e, a partir da mudança de pensamento, pode-se mudar a postura frente ao mundo e quebrar paradigmas.  Mas é necessário que esta mudança venha aliada à ação. É aí que entra o filósofo existencialista Sartre, ao afirmar que mais importante do que aquilo que fazem de nós, é o que nós mesmos fazemos do que os outros fizeram de nós.
O movimento feminista foi o precursor de todos os outros minoritários. Na verdade, o que Sartre dizia era que, se quisermos, podemos dar novos sentidos às nossas vidas, mudar o rumo do nosso destino. Sermos autores de nossas próprias histórias. É isso que tentam fazer os movimentos feministas desde a década de sessenta, ao começarem a questionar o falo como símbolo de poder, e, por conseguinte, de opressão.
Se, em pleno século XXI, o Japão ainda reconhece o pênis como garantidor de fertilidade, prosperidade e protetor do povo contra o mal, tanto que ainda o festeja no santuário de Tagata, uma tradição com mais de 1500 anos; o que esperar das terras tupiniquins, onde se ousou tirar uma presidenta eleita para que um golpe se instalasse no país e se perpetuasse mais um falo no poder?
 Depois me perguntam para que serve o feminismo. Exatamente para que nós, mulheres, tenhamos um lugar ao sol, apesar da ausência do falo. Esse falo que teima em incorporar-se na história feminina para além do substantivo simbólico a que tem sido acometido, mas como verbo, traduzido pela ausência de voz. Enquanto isso, o falo tem poder, e este, é apenas para o rei. E para seus amigos também.


K.V.França