Tudo gira em torno do falo. A
simbologia por trás dessa afirmação é forte e ultrapassa séculos. Seja por
poder, coragem, ou até mesmo vergonha, o falo nunca deixou de ocupar o lugar
mais alto do pódio.
De
acordo com a mitologia, havia uma mulher deslumbrante, que, embora despertasse
o desejo dos homens e a inveja das mulheres na Grécia, não podia relacionar-se
com ninguém por ser sacerdotisa de Atena. Entrementes, Poseidon, enlouquecido
de desejo, a violentou dentro do templo. Acusada de transgressora e profana,
foi amaldiçoada, tornando-se um monstro com a cabeça cheia de serpentes. Essa
mulher era Medusa, e a mudança em sua aparência, apenas o início do seu
castigo. Depois, seu olhar começou a petrificar as pessoas e sua cabeça oferecida
como troféu para o guerreiro que a trouxesse.
A
Grécia da mitologia é a mesma na qual a mulher não podia participar dos debates
públicos e políticos na Idade Antiga. Era-lhe permitido ir a festas religiosas
e assistir a peças teatrais, porém os pupilos dos donos do falo eram mais
interessantes para o prazer. A mulher, até então, nem era considerada povo.
Assim
como Medusa, a mulher, ao longo do tempo, vem passando de vítima a culpada pela
própria violência que sofreu.
Em meados do século XVIII, quando do
nascimento dos Direitos Humanos, a mulher nem mesmo era considerada humana.
Pode parecer chocante tal frase, entretanto, explico: após as Declarações dos
Direitos do Homem e do Cidadão (1789) e da Independência dos Estados Unidos
(1776), a França do final
do século XVIII usufruiu
de ganhos concernentes à igualdade de direitos, respectivamente, os protestantes,
judeus, negros livres. Em seguida, emancipou os escravos, e, apesar de ser a primeira nação
que possuía escravos a fazê-lo, sequer mencionou os direitos das mulheres,
quiçá discutiu-los. Elas só foram ganhar direito ao voto, por exemplo, no
século XIX.
Discorrer sobre o poder do falo não é
papo de feminista apenas. Freud, em seus estudos de psicanálise, concluiu que
as mulheres se caracterizavam pela ausência do falo e deste, sentiam inveja.
Por seu turno, os homens se caracterizavam pelo temor à castração e complexo de
Édipo. Para ele, o pênis era o grande responsável pela formação de caráter das
pessoas, todas elas.
Há uma luz no fim do túnel. A filosofia
de Sócrates, bem como a de filósofos indianos, apontam para o autoconhecimento
enquanto autocontrole e, a partir da mudança de pensamento, pode-se mudar a
postura frente ao mundo e quebrar paradigmas.
Mas é necessário que esta mudança venha aliada à ação. É aí que entra o
filósofo existencialista Sartre, ao afirmar que mais importante do que aquilo que
fazem de nós, é o que nós mesmos fazemos do que os outros fizeram de nós.
O movimento feminista foi o precursor
de todos os outros minoritários. Na verdade, o que Sartre dizia era que, se
quisermos, podemos dar novos sentidos às nossas vidas, mudar o rumo do nosso
destino. Sermos autores de nossas próprias histórias. É isso que tentam fazer
os movimentos feministas desde a década de sessenta, ao começarem a questionar o
falo como símbolo de poder, e, por conseguinte, de opressão.
Se, em
pleno século XXI, o Japão ainda reconhece o pênis como garantidor de
fertilidade, prosperidade e protetor do povo contra o mal, tanto que ainda o
festeja no santuário de Tagata, uma tradição com mais de 1500 anos; o que
esperar das terras tupiniquins, onde se ousou tirar uma presidenta eleita para
que um golpe se instalasse no país e se perpetuasse mais um falo no poder?
Depois me perguntam para que serve o
feminismo. Exatamente para que nós, mulheres, tenhamos um lugar ao sol, apesar
da ausência do falo. Esse falo que teima em incorporar-se na história feminina para
além do substantivo simbólico a que tem sido acometido, mas como verbo,
traduzido pela ausência de voz. Enquanto isso, o falo tem poder, e este, é
apenas para o rei. E para seus amigos também.
K.V.França