Ih, lá vem aquele guri
esquisito. De novo. A cada dois dias ele aparece pontualmente na mesma hora –
17h45 – quinze minutos exatos da volta do meu intervalo.
Ele tem um cabelo castanho,
cacheado e curto. Geralmente veste camisas com estampa florida ou marítima.
Nunca está de calça – sempre uma bermuda bege ou marrom. Usando um chinelo, vem
a padaria comprar sete cacetinhos. Nunca oito ou seis. Sempre sete.
Um dia ele se apresentou
para mim e disse que seu nome era Michael. Ou Moisés. Ou Mateus. Whatever. Abrindo um parêntese enquanto
ele aguarda na fila: toda vez que conheço alguns rapazes, em curto espaço de
tempo, acabo confundindo fisionomias e nomes. Fazer o quê, sou ruim de memória
mesmo. Enfim.
Outra coisa curiosa é que
todas as sextas ele faz um comentário sobre o fim de semana e a semana que
passou. Diz coisas como “choveu muito essa semana” ou “está quente hoje, não”.
Trocamos um “boa tarde” e
vou pegar os pães – parei de perguntar o que ele deseja há muito tempo pois
nunca quer nada diferente de sete cacetinhos. Sempre os mais moreninhos e nunca
da última fornada – “É o meu TOC”, disse ele uma vez, mesmo sem eu lhe
perguntar. Estou pesando e me dou conta que algo novo está acontecendo. Ele
simplesmente não falou nada. Ainda. Não falou da semana calorenta e nem do
verão desértico da tarde de hoje. Meu deus será que aconteceu alguma coisa? Ele
segue me olhando, com aquele meio sorriso escondido na barba sempre por fazer.
Esse silêncio quase tumular
me obriga tomar uma atitude:
- Calor, hoje, hein? Mas
pela semana que foi, nada diferente, não é? E no “findi”, qual será?
Ih, o guri congelou. O meio
sorriso desapareceu e o olhou estalou.
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Todos os dias eu fico da
janela do apartamento cuidando aquela bela atendente da padaria. Ela é filha do
dono, seu Manoel, português de carteirinha, afinal, é uma padaria.
Da mesma janela vejo que ela
tem uma rotina, todos os dias, durante seu intervalo: em frente a padaria, se
ajeita numa cadeira, onde come um doce (ou salgado) e toma um café. Com um
binóculo consigo acompanhar os livros que ela lê. Já vi Neruda, Drumonnd, Cecília
Meireles e Machado de Assis.
Espero dar quinze minutos do
retorno dela do intervalo e vou até a padaria comprar pão. A fila está grande.
O dia está muito quente e a semana foi muito pior. Manoela está bonita como
sempre. Combinando com o esmalte das unhas ela está usa batom cor-de-rosa. Os
óculos não escondem os olhos castanhos esverdeados. Os belos lábios são
responsáveis por um encantador sorriso. O cabelo, quase loiro, é lindo, liso e
longo.
Adoro ser atendido por ela.
Completa meu dia.
Quando chega a minha vez, não
preciso pedir, pois ela sabe o meu desejo. Ela pega com suas mãos suaves os
sete cacetinhos moreninhos que eu levo a cada dois dias.
Mas hoje eu vou fazer
diferente: não irei falar nenhuma bobagem e irei convidar ela para sair no fim
de semana. Porém o nervosismo está tomando conta de mim. Sinto que minha
garganta está seca e meus olhos não deixam de acompanhar os movimentos dela
atrás do balcão. Agora, ela já pesou os pães e está me olhando. Minha barba
está coçando.
De repente ela quebra o
silêncio:
- Calor, hoje, hein? Mas
pela semana que foi, nada diferente, não é? E no “findi”, qual será?
Meu deus, e agora?
- Passeio, domingo, no parque, pode ser?
Excelente!
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