Julieta
estende o braço até a mesa de cabeceira e com os olhos ainda fechados tateia o
telefone celular preso ao carregador de bateria, sem enxergar direito desliza o
dedo sobre a tela, mais 5 minutos de sono. O alarme soa de novo, desta vez os olhos
se abrem para as 35 notificações. 4 conversas 27 mensagens no Whatsapp, 3
marcações em posts do Facebook, 2 conversas no Messenger, 2 crushs no Happne
uma mensagem nova no Tinder. Bom dia Mundo! 15 minutos depois, atrasada,
Julieta levanta correndo, toma um banho rápido, coloca a roupa separada na
noite anterior, fecha a mochila e corre até a parada. Meio segundo e o ônibus
passa. Senta no antepenúltimo banco, do lado do corredor, coloca o fone de
ouvido e repousa com as descobertas da semana disponíveis no Spotify. A
velhinha sobe, a criança chora, o homem leva uma bofetada na cara por tocar as
pernas nuas da moça e Julieta só abre os olhos na penúltima parada antes da
praça, onde salta. Do fone já não sai mais música, mas a voz do chefe, colocando
prazo para as tarefas do dia. Atravessa na faixa com o sinal fechado prometendo
cumprir o solicitado, se quer escuta os xingamentos do motorista ao desviar seu
caminho. Passa na padaria, pega uma empada folhada de palmito e uma coca-cola.
Do tchau e do bom dia nem escuta a resposta, segue na ligação. Chega no
escritório, tira o fone, bate o ponto, deseja bom dia, e só escuta vozes
falando ao telefone. No tempo de ligar o computador responde que lasanha de
brócolis é seu prato preferido para o gatinho do Tinder, mesmo sabendo ser
quase impossível receber um convite para jantar. Enquanto elabora o relatório da última
inspeção ao frigorífico, combina o encontro anual com as amigas de escola, o
jantar na casa da avó no próximo domingo e descobre a traição do namorado da ex
melhor amiga. Recebe outro telefonema do chefe, cobrando o relatório cujo prazo
é o final do dia. A dor que Julieta vinha sentindo na última semana se
intensifica, dói a cabeça, dói o pescoço, doem os braços. Julieta corre contra
o tempo, silencia as conversas no Whats, pausa o Tinder e o Happn, suporta o
desejo quase incontrolável de verificar as atualizações do Facebook e termina o
relatório as 4h da tarde. Já sem o efeito do paracetamol Julieta segue o
conselho da mãe e busca o pronto atendimento do plano de saúde. Preocupada,
descreve todos os sintomas no Google, preparando-se para a conversa com o médico.
Cefaleia, meningite, enxaqueca... Julieta, acompanhada de um taquicardia tem
seu número chamado. Tentada entre o médico e a fuga pela porta de saída, baixa
a cabeça e segue em direção ao consultório. Após meia hora de perguntas e meias
repostas, se percebe sedentária, sem postura, mal hábitos alimentares, poucas
horas de sono e distantes alegrias. Depois de algumas quadras caminhadas e
muitos pensamentos cruzados tira o telefone da mochila para falar com a mãe,
sem ter em conta a hora e a esquina escura, seu telefone é levado pelo rapaz de
capuz com a faca escondida no casaco. Julieta não chora, nem sorri, apenas quer
chegar em casa. Sobe no ônibus, senta no penúltimo banco, no caminho cede o
lugar para a velhinha cheia de sacolas, oferece uma bala para a criança que chora
e avisa ao cobrador do senhor mal intencionado com a menina da
frente. Salta, caminha três longas quadras, um pingo cai na sua cabeça, não é
gota de chuva, olha o céu cheio de estrelas, tantas estrelas como há tempos não
vê, e brilham muito. Chega em casa, toma um banho, deita na cama vazia.
Sozinha. Sem mensagens, sem notificações, sem crushs... Olha para o lustre do
quarto,girando com luzes coloridas. Perde alguns minutos. Desliga a luz e dorme.
Sonha como há tempos não fazia.
Paula Canabarro
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