domingo, 1 de outubro de 2017

SOLIDÕES


           
     Julieta estende o braço até a mesa de cabeceira e com os olhos ainda fechados tateia o telefone celular preso ao carregador de bateria, sem enxergar direito desliza o dedo sobre a tela, mais 5 minutos de sono. O alarme soa de novo, desta vez os olhos se abrem para as 35 notificações. 4 conversas 27 mensagens no Whatsapp, 3 marcações em posts do Facebook, 2 conversas no Messenger, 2 crushs no Happne uma mensagem nova no Tinder. Bom dia Mundo! 15 minutos depois, atrasada, Julieta levanta correndo, toma um banho rápido, coloca a roupa separada na noite anterior, fecha a mochila e corre até a parada. Meio segundo e o ônibus passa. Senta no antepenúltimo banco, do lado do corredor, coloca o fone de ouvido e repousa com as descobertas da semana disponíveis no Spotify. A velhinha sobe, a criança chora, o homem leva uma bofetada na cara por tocar as pernas nuas da moça e Julieta só abre os olhos na penúltima parada antes da praça, onde salta. Do fone já não sai mais música, mas a voz do chefe, colocando prazo para as tarefas do dia. Atravessa na faixa com o sinal fechado prometendo cumprir o solicitado, se quer escuta os xingamentos do motorista ao desviar seu caminho. Passa na padaria, pega uma empada folhada de palmito e uma coca-cola. Do tchau e do bom dia nem escuta a resposta, segue na ligação. Chega no escritório, tira o fone, bate o ponto, deseja bom dia, e só escuta vozes falando ao telefone. No tempo de ligar o computador responde que lasanha de brócolis é seu prato preferido para o gatinho do Tinder, mesmo sabendo ser quase impossível receber um convite para jantar.  Enquanto elabora o relatório da última inspeção ao frigorífico, combina o encontro anual com as amigas de escola, o jantar na casa da avó no próximo domingo e descobre a traição do namorado da ex melhor amiga. Recebe outro telefonema do chefe, cobrando o relatório cujo prazo é o final do dia. A dor que Julieta vinha sentindo na última semana se intensifica, dói a cabeça, dói o pescoço, doem os braços. Julieta corre contra o tempo, silencia as conversas no Whats, pausa o Tinder e o Happn, suporta o desejo quase incontrolável de verificar as atualizações do Facebook e termina o relatório as 4h da tarde. Já sem o efeito do paracetamol Julieta segue o conselho da mãe e busca o pronto atendimento do plano de saúde. Preocupada, descreve todos os sintomas no Google, preparando-se para a conversa com o médico. Cefaleia, meningite, enxaqueca... Julieta, acompanhada de um taquicardia tem seu número chamado. Tentada entre o médico e a fuga pela porta de saída, baixa a cabeça e segue em direção ao consultório. Após meia hora de perguntas e meias repostas, se percebe sedentária, sem postura, mal hábitos alimentares, poucas horas de sono e distantes alegrias. Depois de algumas quadras caminhadas e muitos pensamentos cruzados tira o telefone da mochila para falar com a mãe, sem ter em conta a hora e a esquina escura, seu telefone é levado pelo rapaz de capuz com a faca escondida no casaco. Julieta não chora, nem sorri, apenas quer chegar em casa. Sobe no ônibus, senta no penúltimo banco, no caminho cede o lugar para a velhinha cheia de sacolas, oferece uma bala para a criança que chora e avisa ao cobrador do senhor mal intencionado com a menina da frente. Salta, caminha três longas quadras, um pingo cai na sua cabeça, não é gota de chuva, olha o céu cheio de estrelas, tantas estrelas como há tempos não vê, e brilham muito. Chega em casa, toma um banho, deita na cama vazia. Sozinha. Sem mensagens, sem notificações, sem crushs... Olha para o lustre do quarto,girando com luzes coloridas. Perde alguns minutos. Desliga a luz e dorme. Sonha como há tempos não fazia.

                                                                                                                 Paula Canabarro


                                                                                                   

Nenhum comentário:

Postar um comentário